O desembargador Alexandre Victor de Carvalho protagonizou um importante debate jurídico ao relatar a apelação criminal nº 1.0145.05.217812-9/001, que envolveu uma tentativa de furto em supermercado. Os réus foram flagrados tentando subtrair produtos alimentícios de pequeno valor, mas sua ação foi monitorada de forma constante pelos seguranças do local. A questão central do recurso foi a possibilidade de reconhecer a figura do crime impossível, previsto no artigo 17 do Código Penal, e a eventual aplicação do privilégio legal do furto.
A atuação do desembargador chamou atenção por sua defesa da atipicidade da conduta diante da ausência de risco efetivo ao bem jurídico. Veja mais sobre o caso abaixo:
Crime impossível: posicionamento técnico do desembargador
O voto do desembargador baseou-se na doutrina penal e em precedentes que reconhecem a impossibilidade de configurar tentativa quando a consumação do crime é absolutamente inviável. No caso analisado, os réus foram vigiados desde o início da conduta por funcionários do supermercado, que relataram, em juízo, que não havia qualquer chance de sucesso na empreitada criminosa. Diante disso, o magistrado sustentou que não houve sequer risco concreto ao patrimônio.

Para o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, não basta haver um planejamento criminoso frustrado para que se configure tentativa. É necessário que o meio utilizado tenha, ao menos, alguma eficácia prática. Quando essa eficácia é absolutamente ausente, como no caso de vigilância contínua e ininterrupta, o crime torna-se impossível de consumar. Assim, por ausência de tipicidade material, ele votou pela absolvição dos réus, reafirmando a importância do princípio da lesividade no Direito Penal contemporâneo.
Divergência quanto à tese do crime impossível e seus limites práticos
Apesar da fundamentação técnica apresentada, o entendimento do desembargador Alexandre Victor de Carvalho foi vencido pelos demais integrantes da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A relatora para o acórdão, desembargadora Maria Celeste Porto, rejeitou a tese de crime impossível, argumentando que a existência de vigilantes não inviabiliza, de forma absoluta, a consumação do crime. Para ela, mesmo sob vigilância, havia possibilidade de fuga, ainda que remota.
Outro argumento da maioria foi o impacto social de relevar condutas como a tentativa de furto em estabelecimentos comerciais. A desembargadora ponderou que a constante impunidade de pequenas infrações pode comprometer a confiança da população na Justiça. Nesse contexto, ainda que o furto não tenha se consumado e os bens tenham sido restituídos, a tentativa deveria ser punida como forma de preservar a ordem social e o respeito ao patrimônio alheio, mesmo que este represente pequeno valor.
Discussão sobre furto qualificado e aplicação do privilégio: incompatibilidade reconhecida
No mesmo julgamento, houve também debate sobre a possibilidade de aplicar o privilégio legal do furto previsto no §2º do art. 155 do Código Penal. Embora os réus fossem primários e o valor da res furtiva fosse inferior a R$ 50,00, prevaleceu o entendimento de que não se aplica o privilégio quando o furto for qualificado, como no caso concreto. A qualificadora reconhecida foi a de concurso de pessoas, o que, segundo a jurisprudência majoritária do STJ, inviabiliza a aplicação da forma privilegiada.
O desembargador Alexandre Victor de Carvalho não se pronunciou diretamente sobre essa incompatibilidade no voto vencido, pois havia votado pela absolvição com base no crime impossível. Entretanto, os demais julgadores reafirmaram que a coexistência entre qualificadora e privilégio é juridicamente impossível, pois o privilégio pressupõe menor reprovabilidade, enquanto a qualificadora indica maior gravidade. Assim, a pena foi mantida em sua forma qualificada.
Em conclusão, a atuação do desembargador Alexandre Victor de Carvalho nesse julgamento reforça a importância do debate sobre os limites do poder punitivo do Estado. Seu voto, embora vencido, fundamenta-se em doutrina penal moderna e na exigência de efetivo risco ao bem jurídico para um delito. Ao defender a tese do crime impossível, o desembargador reafirmou a necessidade de aplicação criteriosa do Direito Penal, evitando a punição de condutas que não ameaçam concretamente os valores protegidos pela norma.
Autor: Yuliya Sokolova